terça-feira, 13 de julho de 2010

CRONIQUETA FASHION

Este post é uma croniqueta que escrevi sobre um fato surreal que me aconteceu em julho de 2007.

Legging em perigo

Por Roberto Pires

Era um dia de calor escaldante em Salvador. Daqueles dias em que parece que a nossa alma se cola aos nossos ossos e músculos. Respiração difícil. A cara suada, oleosa – do tipo se encostar um ovo, frita. Tudo pesa: os óculos escuros, a roupa, o pensamento. E você tem que andar sob um sol que parece sorrir sarcasticamente ao te ver naquela situação de penúria estética. O calor desestabiliza qualquer ideia de elegância. Camisa colada ao corpo nem tão adônico assim, eu seguia pelas ruas da Pituba, sem encontrar sequer uma sombra que me desse alento. Enquanto tentava fazer o exercício vital de respirar e existir, comecei a ter uma sensação meio estranha. Como se alguém precisasse da minha ajuda. Um S.O.S., algo assim. Busquei um pouco mais da minha existência aspirando o ar fumegante que se desprendia do asfalto, onde o menino maltrapilho executava um malabarismo raquítico em troca de moedas cedidas com má-vontade por motoristas apáticos, assombrados, desesperançados, suados, encharcados.

Ao levantar a cabeça, senti mais forte o pedido de socorro. Fixei os olhos com certa dificuldade, pois as cores fortes que irradiavam à minha frente me turvavam a visão.

Quando finalmente pude olhar com atenção, percebi de onde vinha o lamento. Era uma calça legging em apuros. Naquele começo de tarde baforento, em que o almoço devorado rapidamente há poucos minutos brigava com o estômago tentando voltar ao seu local de origem, a legging ultracolorida me chamava. “Socorro, aqui! Por favor, aqui na frente! Na sua frente!”. Olhei espantado. Pensei: o calor fritou meus miolos e eu enlouqueci. Socorro, digo eu! Olhei de novo para a mulher que seguia na minha frente. Ela ostentava uma silhueta dividida em várias camadas fofas de gordura espremidas sob o top cor-de-abóbora feito de cotton-lycra, um tecido que estica mas não possui o aspecto brilhante da roupa de praia. Na parte inferior, circundando uma bunda espetacularmente grande, coxas de encher d’água a boca de um Vadinho de Jorge Amado, e batatonas de perna que davam a ela um andar firme, embora com a alma manemolente de mulher brasileira, surgia a coitada da legging 'atochada'. Pois bem, a senhora bunda e as pernas carnudas iam dentro da calça que esticava tanto nas costuras que dava a impressão – pelo menos a mim, que a essa altura já estava a menos de dois metros da dita cuja – de estourar a qualquer respirada mais profunda daquela morena-amulatada transbordante de sensualidade. E de falta de bom senso.

“Socorro!”, repetia a calça sofredora. Ela parecia se sentir da mesma maneira que um balão de borracha nos preparativos para a festa de aniversário infantil. Tomara que não estoure, tomara que não estoure... Eu repetia, numa espécie de mantra desesperado. Se a calça estourar suas costuras, acabará sendo uma vingança contra a vilã que ousou vestir aquela peça a anos-luz de suas formas avantajadas, manequim 52, provavelmente. A estampa tinha agora uma leve ideia do que os seus criadores idealizaram. O tecido ultraesticado apenas sugeria as cores originais do desenho: amarela, azul, verde, vermelha. Complementadas pela tonalidade alaranjada vibrante da blusa, que, também espremida, sofria calada. Aquela explosão de cores, exuberantes como o sorriso das jovens candidatas a miss, implorava-me por socorro.

Tive um lampejo de tocar no braço da gostosona (uepa!) e dizer “por favor, vá pra casa tirar essa legging, senão ela vai explodir aqui na rua”. Ao seu esperado desdém, eu complementaria: “Não tem coração, moça? Não percebe como essa calça está sofrendo? Dê para a sua filha de 15 anos, vai ficar ótimo nela!”. E quem disse que ela é mãe? De uma garota de 15 anos? Enfim: “Vá tirar essa calça, que aberração. Vá logo, imediatamente!...”

Mas nada fiz ou disse. Continuei andando atrás da cretina, hipnotizado pela movimentação cromática e ao mesmo tempo ardendo de culpa (e de calor) por não cooperar com a legging em apuros. Subitamente, tive a impressão de ouvir um rangido da costura se desfazendo. Será?!!! Então, olhei com mais afinco, tentando não dar bandeira aos demais transeuntes. Não, não se desfez, foi rebate falso. Pensei: “Fábrica boa, a dessa calça, usou linha para costurar de primeira”. Ufa.

Agora parecia tudo como antes. Por um fio. O sol estava a pino, eu raciocinava cada vez menos. Será que a calça vai se abrir inteirinha, de uma só vez, nas laterais e nas partes internas da perna? Quando a mulher se desse conta, estaria somente de calcinha e com o top aboborento, amarelo-avermelhado. Em plena via pública. Fiquei entre aflito e cobiceiro, queria ver a reação da rua à nudez daquela moça volumosa às três horas da tarde. A legging continuava implorando, após 100 metros de tortura (a minha, é claro!). Decidi fazer alguma coisa de verdade. Mas o que, gente? Enquanto olhava para o trânsito, na larga avenida na qual havia chegado depois de dobrar a esquina na cola da legging sofredora, disposto a definitivamente falar com a mulher má que torturava impiedosamente uma ingênua e pura calça justa, a manobra perigosa do motorista mauricinho que passava falando ao celular me chamou a atenção. Quando virei novamente, a surpresa. Cadê a culpada? Onde foi parar a carrasca? Ainda pude ouvir – ou sentir, naquele momento dava no mesmo – a legging pedindo socorro. Cada vez mais distante, s-o-c-o-r-r-o... Até hoje, ainda sinto uma pontinha de culpa por ter perdido de vista a vítima mais colorida e arrochada do planeta. Costumo andar por aquele mesmo percurso na Pituba, porém nunca vi novamente a legging psicodélica. Será que explodiu?...

2 comentários:

  1. Esse seu jeito malemolente de escrever q eu adoro... ah, mas essa história q vc perdeu a vítima qdo o motorista maurincinho fez a tal manobra, hum, vamos, escreva outra crônica sobre essa abrupta mudança de interesse seu, quer dizer, conta aí, o mauricinho era bonitinho era?

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  2. kkkkkkkk
    Amei a legging gritando por socorro! rs

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